Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
26 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Artigo: ''A PEC 55 e a Justiça do Trabalho: escolha seu apelido'', de autoria do juiz Rodrigo Trindade

    Apelido é coisa séria no Brasil. Não tem país que dê mais importância para alcunhas que o nosso. E não só para pessoas, também acontecimentos: Golpe de 64 ou Redentora, Revolução Federalista ou Revolta da Degola, apelidamos fatos históricos conforme nossa interpretação de causas e, principalmente, das consequências.

    A gente acompanha meio de longe manifestações pro e contra a PEC 55 (antiga PEC 241), mas alguns cognomes já aparecem: PEC do Fim do Mundo, PEC do Teto, PEC da Salvação, PEC da Maldade. Em alguns anos estará batido o martelo para o melhor apelido, mas por enquanto podemos pensar nas atuais causas das opções de nomes.

    A medida, planejada pelo atual governo, limita o aumento das despesas federais à inflação apurada pelo IPCA. Os ministros do Planejamento e Casal Civil – bem apoiados no Congresso – falam de agudo desequilíbrio fiscal, com efeito de déficit de até R$ 170 bilhões anuais. De fato, a dívida pública já alcança quase 80% do PIB e só a PEC para oferecer “Salvação” a tamanho descontrole.

    Os movimentos sociais argumentam que o projeto privilegia pagamento de dívidas, achata salário mínimo e benefícios previdenciários, condena os serviços públicos ao sucateamento e pode extinguir saúde e educação pública da forma como as conhecemos hoje. Daí que carrega todos para o “Fim do Mundo”.

    Amplas análises conjunturais são tarefas para políticos, economistas e palpiteiros de egos bem mais inflados. Mas podemos fazer pequena reflexão sobre os efeitos no "mundinho” da Justiça do Trabalho, caso a PEC (recorteecole aqui sua alcunha preferida) seja aprovada.

    O momento de referência de orçamento da Justiça do Trabalho é o pior da história. No começo do ano, tivemos demolidor corte na peça orçamentária. Um deputado “muy amigo” achou que cumpríamos bem demais nossas tarefas e, para estrangular e mandar repensar, decepou vários milhões de reais. Só não fechamos as portas, em razão de aporte emergencial no segundo semestre. Na forma como está a proposta, o orçamento “congelado” é o do começo do ano, sem nem mesmo a complementação que nos permitiu encerrar o ano respirando.

    A restrição geral de despesas primárias usa chicotinho e roupa de vinil. A PEC 55 estabelece limitação de todos os gastos do Judiciário Trabalhista e impõe concorrência entre diversas rubricas do orçamento. Algo do tipo “quem corta mais”. Chegará um tempo em se que haverá de optar entre pagar a conta de luz ou os contratos dos terceirizados.

    Todos sabemos do permanente crescimento de ajuizamentos de ações trabalhistas. Só em Porto Alegre, a cada ano há 5% a mais de processos e faz muito tempo que não vemos criação de varas e cargos de juízes. O congelamento orçamentário impede que estrutura minimamente acompanhe demanda. Ou seja, os processos ficarão mais longos, capengas e ineficazes.

    Cumprir a Constituição devia ser coisa séria. O comprometimento geral dos direitos sociais previstos no art. 6º é difícil de ser cogitado, não só porque pagar tanto imposto, e ter menos retorno a cada ano, é duro de engolir, como em razão de afrontar objetivos fundamentais da República. Ocupamos um vergonhoso 75º lugar no ranking de desenvolvimento humano da ONU e a tendência é ir ladeira abaixo. Chegar em 2036 com dívida zerada e população miserável é – como disse Leandro Karnal – salvar o Titanic apenas para aportar em Nova Iorque com todos os passageiros mortos.

    Esse mecanismo de compensação de gastos tem outras perversidades. Com a limitação geral de despesas, e para suportar demandas urgentes, gera-se opção de cortes em outros setores, como previdência pública. A Reforma Previdenciária que se aproxima (qual será o apelido?), com seus novos instrumentos precarizantes, gera tendência de agravamento para os funcionários públicos.

    Especialmente preocupa essa monologia utilitarista. A Justiça do Trabalho é instrumento de civilização, cumpre função de distribuição de direitos fundamentais, injeta recursos na micro economia, segura a onda de conflitos entre capital e trabalho e restringe a marginalização. Nada disso é coisa para ser medida em planilhas de fluxo de caixa.

    Mas se o economicismo financista é como o anel de Sauron do Senhor dos Aneis (my precious!), o corte de estrutura é ainda um baita erro. Em artigo recente, o juiz Daniel Nonohay e eu mostramos como a Justiça do Trabalho Brasileira dá lucro para todo o país (http://www.amatra4.org.br/publicacoes/artigos/1128acontabilidade-judicial-daquilo-queodinheiro-nao-compra), mas aí vai um dado de paróquia: o orçamento do TRT do Rio Grande do Sul em 2015 foi de R$ 1,46 bilhão. Os valores pagos em condenações e acordos foi maior: R$ 1,77 bilhão. A isso somam-se R$ 297,7 milhões em arrecadações e outros muitos milhões em imposto de renda e contribuições previdenciárias sobre salários de funcionários e magistrados. Não há sentido – nem mesmo financeiro – em cortar estrutura de órgão que arrecada e enche os cofres da União.

    Berthold Brecht, o dramaturgo alemão, já disse que há nada mais simplista e errado para fugir de uma discussão que dizer que algo é indeclinável, inexorável. Muita gente séria cita medidas substitutivas à PEC, a partir da ideia de preservar não apenas o navio, mas essencialmente os passageiros. Fala-se de restringir excessivas benesses ao capital financeiro, repensar renúncias fiscais, estabelecer teto para pagamento de juros, aumentar o número de faixas-alíquota de imposto de renda, combater efetivamente corrupção e sonegação de impostos, taxar dividendos remuneratórios de sócios de empresas, auditar a dívida pública. Enfim, há diversas alternativas à sedução simplista da guilhotina decepatória de quem já recebe tão pouco do Estado.

    Em 30 anos, a PEC 55 terá seu apelido consolidado. Mas, é claro, para isso, teremos de estar por aqui. E respirando.

    Rodrigo Trindade de Souza

    Juiz do Trabalho e presidente da Amatra IV

    Fonte: Amatra IV

    • Publicações6219
    • Seguidores631004
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações130
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/artigo-a-pec-55-e-a-justica-do-trabalho-escolha-seu-apelido-de-autoria-do-juiz-rodrigo-trindade/405084059

    1 Comentário

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

    Engraçado que nenhuma análise de juízes passa pelas políticas auto-indenizatórias dos mesmos ... para eles tudo muito normal ... nada demais termos a enorme quantidade de juízes ganhando acima do teto ... ah! isso também se aplica ao MP.

    Vemos no Judiciário (e MP) diversas mazelas: juízes que vão ao trabalho quando querem, permanecem o tempo que quiserem, não produzem muitas vezes por preguiça, sobrecarregam os demais servidores com aquilo que deveriam eles fazer, indústria de diárias e de horas-extras, aquisição desnecessária de bens e serviços, especialmente quando voltada para caprichos de magistrados e assessores, tais como cursos de "aperfeiçoamento" que na verdade não passam de cursos para carreiras jurídicas de seus assessores (onde está a necessidade na Justiça Eleitoral, por exemplo, de se fazer curso sobre direito ambiental ou empresarial?).

    Aliás, há mesmo necessidade de uma Justiça Eleitoral? Poderia muito bem ela ser uma Secretaria da Justiça Federal ... mas nesse caso o cabide de emprego de comissionados e de recebimento de gratificação da Justiça Estadual iria para o brejo ... sem falar no poder de barganha das sentenças de políticos.

    Poderia passar o dia todo falando do excesso de veículos, locações a valores exorbitantes de casebres para servirem à Justiça, recepções com buffet glamourosas e nababescas para bajulação de Ministros do STF e STJ, e por aí vai.

    Poderia também falar do excesso de cargos em comissão e da baixa produtividade de muitos comissionados, assim como de funções comissionadas. Há ainda "projetos" que visam a "melhoria" dos tribunais, mas que não passam de frescuras apresentadas por quem busca dar uma utilidade justificadora de seus cargos ou funções.

    Estamos fartos de ver o dinheiro público ser tratado como dinheiro de ninguém, sem dono.

    Dá para enxugar o Judiciário, manter suas funções e sobreviver a tal PEC ? Dá e sobra, mas para isso vai ter que se cutucar em muitos privilégios e ferir muitos egos de autoridades autoritárias (espero que o autor seja uma exceção).

    Presenciamos uma viajem de Desembargadores de TJ's, com suas comitivas ... de certo com muitos desnecessários, mas ganhando diária de Presidente ... para reclamarem das retaliações de Renan Calheiros ao indagar os super-salários que fazem o teto de R$ 33,7 mil parecer os 10% do garçom. Pouco importa a motivação de Renan, importa saber se há tal super-salário ou não. continuar lendo